OS VERDES E OS VERMELHOS
Edmílson Martins
Novembro/2018
João de Lima Verde é
um homem simples, do povo. Trabalha como porteiro de um edifício na Zona Sul do
Rio de Janeiro. Veio do Nordeste, fugindo da seca, ou melhor, das injustas
condições sociais de vida lá existentes.
João, de tradicional
família cristã, chegando ao Rio de Janeiro, logo foi convidado a participar de
uma igreja evangélica, dentre as muitas que existem em cada bairro da cidade.
O tempo foi passando e João observava tudo que
ocorria na cidade, no Brasil e no mundo. Agora estava bem informado. Possuía
televisão, celular e tinha acesso às redes sociais.
- Agora, ninguém me
engana – dizia João. Estou muito bem informado. O pastor me explica e eu vejo
tudo pelo meu smartphone e no Jornal Nacional.
João via tudo que lhe
era mostrado no Jornal Nacional e no seu celular: corrupção, mensalão, prisões
de figurões da política, comunismo, fascismo, etc. Até viu de perto, em
Copacabana, as manifestações pelo impeachment de Dilma.
Aquele povo todo
vestido de verde, portando bandeiras verde-amarelas, tinha tudo a ver com o seu
sobrenome.
- Viva o verde, vermelho é comunismo! – fala João com
orgulho.
O verde, para João,
significa paz, esperança, amor. Está na bandeira brasileira e faz parte do seu
nome e das cores do país. Tudo isso está dito nos cartazes, nas faixas, nas
redes sociais.
O vermelho, agora ele
entende, significa sangue, violência, matança, coisa de comunismo. O pastor tem
razão, é a cor do anticristo.
- Deus me livre! – diz João- Fico com o verde.
Então chegou a
campanha eleitoral. E dois lados entraram em disputa. De um lado, os verdes, os
puros, os combatentes contra a corrupção e contra o comunismo, que arma um
grande esquema para dominar o Brasil e a América Latina, conforme divulgam. E João,
esperto, detectava, pelo seu celular, a organização intitulada URSAL.
- Essa tal de URSAL é o grande esquema- dizia João.
Do outro lado da
disputa, os vermelhos, que além de corruptos, eram comunistas, perigosos, os
anticristos. Assim entendia João, conforme as informações que lhe eram
passadas.
João posicionou-se:
- Fico do lado verde.
E passou a odiar tudo que é ver vermelho.
Em cada objeto vermelho, via por detrás o comunismo. Deixou de usar
camisa vermelha. Torcia pelo Flamengo, passou a torcer pelo Fluminense. Deixou
de comer tomate, melancia, morango e outras frutas vermelhas.
- Tudo que é vermelho
é comunista – sustentava João, sem perceber que seu próprio sangue é vermelho.
João passou a
desconfiar de tudo que tem cor vermelha e de todos que usam roupas vermelhas.
Um dia, passando em
frente a uma igreja católica, olhou pra dentro e viu alguém vestido de
vermelho.
Parou e pensou:
- Bem que o pastor me falou: essa Igreja é do
anticristo.
Resolveu entrar na
igreja para ver de perto. Ficou assustado quando viu o padre usando paramentos
vermelhos, cor que simboliza o fogo da caridade, ou seja, o amor e o
sacrifício.
João ficou estupefato.
- Opa! Esse padre,
usando roupa vermelha! Faz parte do
esquema, é, sem dúvida, comunista.
Chegando mais perto
do altar, João viu um quadro de Jesus, com o coração sangrando.
- Meu Deus! – pensou
João. Esse Jesus, expondo o coração vermelho! É comunista disfarçado. Não pode
ser nosso mestre. Nosso mestre é verde. O pastor falou.
João não se conteve.
Foi falar com padre:
- Seu padre, com
essas cores vermelhas, esta igreja é de comunistas.
O padre sorriu e
tentou explicar ao João os significados dos paramentos vermelhos:
- O vermelho que você
vê, meu filho, significa o amor, o sacrifício, o sangue dos mártires, dos que
doaram a vida pelo Reino de Deus, pela Justiça.
João não se conformou
e falou:
- Justiça! O
comunismo fala muito nisso. Esses mártires devem ter sido comunistas.
O padre continuou
explicando:
- Jesus foi crucificado,
teve o seu sangue jorrado na cruz, como prova de amor pela humanidade.
- Ah! Esse coração
naquele quadro, com sangue vermelho! Sei não, parece coisa de comunista.
E assustado, logo
saiu apressado. Nem se despediu do padre, que ficou estarrecido diante das
exageradas preocupações daquele homem com o comunismo.