terça-feira, 17 de dezembro de 2013

VIRANDO O JOGO (Maurício Pássaro)


Foto de Mauricio Pássaro.



De Mauricio Pássaro
VIRANDO O JOGO
Uma nova perspectiva para o Futebol

O futebol tem uma explicação biológica. A brincadeira lúdica de fazer uma bola se movimentar vem do instinto animal. Vejo isso no Salém, o gato da Maria Sanma, que brinca de pegar a bolinha de papel amassado que jogo. Salém é um goleiro nato, mas também gosta de correr com a bola e esbarrar nos fios elétricos da sala.

E possui uma explicação sociológica. Depois de usarem as mãos e os braços nas fábricas, durante doze ou quinze horas diárias, os trabalhadores ingleses arrumaram jeito de compensar o estresse, realizando atividades com os pés e as pernas, iniciando o futebol. Mas, os goleiros continuaram com os braços e as mãos. Contínuos e carteiros, que andavam o tempo inteiro pelas fábricas, estes inventaram a estória de que deveriam ser os únicos a poderem usar a mão. Ou não teriam goleiros. A regra pegou.

Vi documentários mostrando que os antigos Mayas já batiam uma bolinha, algo parecido com o futebol. E talvez haja registro ainda mais longe, quando o homem primitivo adotou a roda redonda, abandonando o uso da quadrada, que dava mais trabalho para rodar. O mais certo é que o surgimento do futebol tenha mesmo passado pelas mãos dos ingleses, ou melhor, pelos pés.

O futebol seria assim uma natural reação ao mundo industrial, que é movido por braços e mãos. E talvez ele tenha contribuído também à sociedade, quando fez evidenciar que poderíamos ganhar dinheiro com os pés – uma revolução anatômica.

A ponto de se consolidar o mito da bola no mundo. Oscar Niemeyer tem parte nisso, com sua obra que acentua obsessivamente a curva, em detrimento da reta. A garota de Ipanema também, pela internacionalização de sua beleza curvilínea. Subvertemos as coisas: a menor distância entre dois pontos, pra nós, é uma curva.

Só que estamos nisso faz muito tempo. Os jogadores de futebol trabalham exaustivamente com os pés. Cabeçadas e amortecidas no peito não contam. Ou seja, além da pressão dos patrocinadores, existe o treino puxado, o treinador não quer nem saber. Acaba sobrando para o massagista, depois das baterias de exercícios.

Não tem colher de chá para a profissão de jogador. Resultado: uma classe superexplorada, sem direitos mínimos, como ir a bailes funk em comunidades carentes. São praticamente obrigados a assinar contrato com clubes europeus, japoneses ou árabes, e a levar uma vida tediosa lá fora, sem graça, sem feijão preto.

Então, eu penso: e se as coisas fossem novamente subvertidas, a fim de se buscar outra vez um equilíbrio? Hoje vivemos uma época tomada pelo futebol, tudo recai sobre ele. Torcedores se matam por seus times, sem ganharem um centavo com isso, ao contrário, gastam com ingressos caros, mensalidades, camisas e mil outros apetrechos. Discutimos seriamente, em voz alta, entre nós, pelo status de melhor time, melhor jogador, melhor jogada. Nas conversas entre presidente brasileiro e um estrangeiro, há de existir sempre uma referência a futebol – veja o caso do encontro entre Dilma e Holande, da França. O futebol tem lá suas funções estratégicas, mas vai-se chegando a um limite.

Está na hora de se inverter tudo novamente: estamos cansados de usar os pés e de fazer referência à bola, ao futebol. Que as mãos possam retornar à cena! E isso implicará que os jogadores de futebol deixem pouco a pouco este oficio e passem horas, pra começar, a usar as mãos, quem sabe, para abrir um livro e ler. Ou pegar uma enxada e capinar o quintal, plantar e cuidar da horta depois.

E os torcedores – que usam mais a boca do que qualquer coisa – hão de permanecer falando, mas agora, idolatrando professores e médicos que, então, passam a receber os salários que os jogadores recebiam, e vice-versa.

- Pô, o hospital municipal está batendo um bolão! Precisa ver os atacantes que eles puseram no atendimento!

- Fala sério! Aquilo lá...? Deveriam é colocar a defesa toda no atendimento, isto sim! O hospital do Estado é que é o melhor, rapá, nunca foi para a segunda divisão. E agora nós temos o doutor Zikco, que fechou contrato por dois anos.

- Falar nisso, você viu aqueles professores da escola federal?

- Prata da casa! Vestem a camisa mesmo. Teve escola espanhola oferecendo milhões, mas se recusaram e preferem ficar aqui, com o arroz e o feijão.

- Principalmente o feijão.

- É.

Eis que, para nossas mazelas, no horizonte se desponta uma saída: trocar os pés pelas mãos.

Maurício Pássaro
www.acolunadoservidor.com

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