" Fiz a escalada da montanha da vida removendo pedras e plantando flores". (Cora Coralina)
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
EMBARGOS INFRINGENTES (Maurício Pássaro)
EMBARGOS INFRINGENTES
Pedindo a “nega”
Por Maurício Pássaro
Rio, setembro 2013
A expressão é do tempo em que o jogo de futebol não podia ser virtual, mas tinha de ser virtuoso. Quando eu jogava bola na rua, usando chinelos como as balizas do gol, e o esfolamento dos dedos era bem real. Se um carro dobrava na esquina, alguém sempre gritava: “parôôô... Carro!” Era o nosso pause possível da época: a bola tinha que congelar na cena, no pé daquele que estava com a bola, na hora do “parôô!”
O trânsito de veículos era menor. Não havia sete bilhões de habitantes no mundo. Nem made in China, mas somente made in USA. O pior momento era quando a bola caía na casa da portuguesa dona Lídia (hoje seus netos devem ostentar em suas fotos, dúzias, troféus de bolas caídas no seu belo jardim de rosas vermelhas delicadas).
O meio-fio atrapalhava um pouco. Muitos pés se estreparam, ao errarem o chute. As balizas sendo chinelos, o problema eram as bolas aéreas. Se ultrapassavam um metro do solo, o gol tornava-se muito discutível. Ninguém filmava. Não havia como. Celular? Somente o sapatofone do agente secreto Maxwell Smart (será que veio daí o nome smartphone?), série cômica de TV da época. Era preciso argumentação, técnica de convencimento apurada para garantir o gol aéreo. Grito. Na verdade, ganhava-se no grito. Não existindo a rede (nem a baliza) para recepcionar a bola, ficava difícil de chegar a um acordo sobre o gol. Como confirmá-lo? Como apertar o Rew? Esse era um tempo sem “sorria, você está sendo filmado!”
O time perdia o campeonato de rua, na final, mas tinha o direito à “nega”. Sem nenhuma referência ao racismo, pedir a “nega” era como pedir uma nova chance. Zerar o placar. Nunca nos preocupamos em explicar a gênese da expressão, naquele tempo. Apenas pedíamos a “nega” e ela não era “negada”. Era uma questão de honra. Código de cavalheiros.
Nada a ver com a cor da pele, com racismo. Meus melhores amigos eram negros (e os melhores jogadores do time). Mas, tem a ver com o julgamento do Mensalão. Depois de se analisarem à exaustão os documentos, quebrados os sigilos bancários, e se juntarem provas irrefutáveis, está parecendo que os réus estão apelando para a velha “nega”, claro, agora levando o nome pomposo de embargos infringentes. A sociedade não compreende que os mensaleiros estão invocando o princípio das reiteradas práticas culturais, onde o “costume” é aceito como fonte secundária de Direito. O brasileiro tem direito à “nega” e pronto. Pô, é o país do futebol!
Todos se fazem de sonsos – juízes, imprensa e sociedade. Cadê o direito à “nega”? Vão negar o direito à “nega”? Todos os recursos já foram tentados, as provas já provaram... O que falta para colocar os ladrões de milhões ao lado dos ladrões de chinelos? Mas, eles querem a “nega”. Ninguém pode negar a “nega”.
Não sabe brincar, não brinca.
www.acolunadoservidor.com
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