A NOVA COMPANHEIRA
Edmílson Martins de Oliveira
Dezembro/2024
Chegou a mim uma nova
companheira. A Maria José, minha dileta e antiga companheira, dela não tem
ciúmes. Mas não gosta dela, quando ela me incomoda. E lhe diz, zangada: “Olhe
aqui, dona Hérnia, não admito que você incomode meu marido, meu companheiro nos
últimos sessenta anos. Você é nova na área, não se meta a besta”.
A questão é que a
Hérnia tornou-se minha companheira, sem pedido de casamento. Simplesmente
chegou de mansinho, juntou-se a mim e não está disposta a me deixar. Insiste em
viver comigo, apesar dos protestos veementes da Maria José.
Há momentos que ela
some. Sem mais nem menos, desaparece. Mas sempre volta, trazendo dores e
transtornos. E só se afasta quando dou um gelo nela e fico deitado de papo pro
ar. E, às vezes, para aliviar as dores que ela traz, tenho que tomar algum
analgésico.
Depois de algum tempo
de companheirismo e de transtornos, procurei um médico especialista e relatei
os problemas. Depois de alguma conversa e análises, o médico constatou o
companheirismo apegado da dona Hérnia e me disse: ela veio para ficar e a
tendência é ela tomar conta de você e lhe causar sérios problemas. Acho melhor
mandá-la embora. Ela não desaparecerá da sua vida, a não ser por uma medida de
força.
E acrescentou o médico:
Essa senhora é como o capitalismo, que vai se entranhando na vida das pessoas e
da sociedade, destilando devagarinho o seu veneno para dominá-los, de tal forma
que as pessoas e a sociedade vão-se habituando às dores que sentem. E assim são
dominados e escravizados.
Por isso, já estou providenciando
os preparativos para erradicar , de uma vez por todas, essa tal Hérnia Inguinal.
Não tem jeito ,tem que ser através de medida de força, um procedimento
cirúrgico, que, segundo o médico cirurgião, é rápido e seguro.
Sinto muito, mas tenho
que afastá-la. Não é boa companheira. Tem me causado muitos problemas e dores. Mesmo assim, tenho que agradecer a
ela
por esse tempo de companheirismo perverso.
Fez-me valorizar ainda mais os sessenta anos de companheirismo fiel e sem dor
da Maria José. Essa sim, é a verdadeira companheira.
Transcrevendo versos da
música “Escuta”, de Ivon Cury, com uma pequena modificação, digo à dona Hérnia: “Teus olhos olham a esmo/Te
falta coragem de me encarar/Quem trai se trai a si mesmo/No riso, no abraço,
num beijo, no olhar. Escuta, (dona
Hérnia) quando (o médico) fechar a porta,
não chores, cala, suporta, não penses mais em voltar”.