quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

A NOVA COMPANHEIRA

 

A NOVA COMPANHEIRA

                              Edmílson Martins de Oliveira

                              Dezembro/2024

 

Chegou a mim uma nova companheira. A Maria José, minha dileta e antiga companheira, dela não tem ciúmes. Mas não gosta dela, quando ela me incomoda. E lhe diz, zangada: “Olhe aqui, dona Hérnia, não admito que você incomode meu marido, meu companheiro nos últimos sessenta anos. Você é nova na área, não se meta a besta”.

 

A questão é que a Hérnia tornou-se minha companheira, sem pedido de casamento. Simplesmente chegou de mansinho, juntou-se a mim e não está disposta a me deixar. Insiste em viver comigo, apesar dos protestos veementes da Maria José.

 

Há momentos que ela some. Sem mais nem menos, desaparece. Mas sempre volta, trazendo dores e transtornos. E só se afasta quando dou um gelo nela e fico deitado de papo pro ar. E, às vezes, para aliviar as dores que ela traz, tenho que tomar algum analgésico.

 

Depois de algum tempo de companheirismo e de transtornos, procurei um médico especialista e relatei os problemas. Depois de alguma conversa e análises, o médico constatou o companheirismo apegado da dona Hérnia e me disse: ela veio para ficar e a tendência é ela tomar conta de você e lhe causar sérios problemas. Acho melhor mandá-la embora. Ela não desaparecerá da sua vida, a não ser por uma medida de força.

 

E acrescentou o médico: Essa senhora é como o capitalismo, que vai se entranhando na vida das pessoas e da sociedade, destilando devagarinho o seu veneno para dominá-los, de tal forma que as pessoas e a sociedade vão-se habituando às dores que sentem. E assim são dominados e escravizados.

 

Por isso, já estou providenciando os preparativos para erradicar , de uma vez por todas, essa tal Hérnia Inguinal. Não tem jeito ,tem que ser através de medida de força, um procedimento cirúrgico, que, segundo o médico cirurgião, é rápido e seguro.

 

 

Sinto muito, mas tenho que afastá-la. Não é boa companheira. Tem me causado muitos problemas  e dores. Mesmo assim, tenho que agradecer a ela

 por esse tempo de companheirismo perverso. Fez-me valorizar ainda mais os sessenta anos de companheirismo fiel e sem dor da Maria José. Essa sim, é a verdadeira companheira.

 

Transcrevendo versos da música “Escuta”, de Ivon Cury, com uma pequena modificação,  digo à dona Hérnia: “Teus olhos olham a esmo/Te falta coragem de me encarar/Quem trai se trai a si mesmo/No riso, no abraço, num beijo, no olhar.  Escuta, (dona Hérnia) quando  (o médico) fechar a porta, não chores, cala, suporta, não penses mais em voltar”.

 

 

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