terça-feira, 18 de agosto de 2020

ARROGÂNCIA

 

 

                  ARROGÂNCIA

                             Edmílson Martins

                             Agosto/2020

 

Lendo o texto de Frei Betto “O tamanho da arrogância”, lembrei-me de alguns casos de arrogância, curiosos e até hilariantes.

O primeiro caso me foi relatado quando eu ainda era criança, na década de 1940. Foi na cidade de Milagres, município onde eu nasci, no sertão do Ceará.

 O fato teria ocorrido por volta 1930, quando ainda existia o coronelismo rural, iniciado na monarquia, após a saída de Dom Pedro I, entrando pela República Velha, até 1930.

 No Brasil rural, fazendeiros adquiriam a patente de coronel, para exercerem o poder político em sua região. Tudo era resolvido pelo coronel e o povo votava em quem ele determinava.

 Lá no sertão, um acontecimento em torno de um coronel, ficou na memória do povo, por muitos anos e era contado com muita graça. Um senhor de mais ou menos 75 anos, conhecido como “Pedro Velhinho", era fazendeiro, mas vivia como muita simplicidade. Tinha a patente de coronel, mas não a usava para botar banca, ou exercer influências.

 Mas num dia de feira, ele se dirigia à cidade de Milagres, montado num burro e passou por um lugar onde se vendiam cavalos. Dirigiu-se ao vendedor e perguntou quanto custava certo cavalo, muito formoso, que muito lhe agradou. O vendedor, muito arrogante e preconceituoso, olhando-o da cabeça aos pés e vendo-o com vestes simples, usando chinelos, de chapéu de palha, montado num burro, assim respondeu:

- Você não tem dinheiro pra comprar esse cavalo, velho.

 O homem ficou calado, engoliu a seco a provocação. Foi à casa que tinha na cidade, vestiu a farda de coronel e voltou à feira, para responder à provocação do arrogante vendedor de cavalos.

Dirigindo-se ao vendedor, ostentando sua farda de coronel, perguntou:

- amigo, quanto custa este cavalo. O vendedor, vendo-o com uniforme de coronel, ficou desconcertado, pedindo desculpas.

- Desculpe, coronel, eu não sabia quem era o senhor.

 Outro caso ocorreu na década de 1960, tempo da repressão da ditadura militar. Um sargento, cheio de autoritarismo e arrogância, chegou com seus soldados a um teatro, onde era apresentada a peça Electra, de Eurípedes, escritor de tragédias da mitologia grega.

 - Onde se encontra esse tal de Eurípedes, autor dessa peça subversiva? – bradou o sargento. E ameaçou prender os atores se eles não dissessem a verdade. Os atores tentaram, com dificuldade, convencer o homem de que Eurípedes vivera há cerca de 500 anos antes de Cristo. O sargento ouviu as informações, mas não acreditou. Ficando em dúvida, saiu do teatro, mantendo a ameaça aos atores.

 Outro fato hilariante ocorreu também na época da ditadura. Um coronel do Exército, à paisana, descontente com o golpe militar, gritava nas ruas: “Essa revolução é uma merda”. “Essa revolução é uma merda”. Um sargento da Polícia, ouvindo-o, resolveu dar voz de prisão, sem saber que se tratava de um coronel do Exército. Levou-o para a cadeia.

 Quando oficiais superiores souberam da prisão do coronel, foram libertá-lo. O coronel, passando em frente à cela onde já estava preso o sargento, falou com ironia:

-Não te falei, sargento, que “essa revolução é uma merda”!

 São fatos curiosos, hilariantes e grotescos, que mostram como a arrogância está arraigada na cultura brasileira. E isso acontece desde a época da colonização.

 É a cultura do autoritarismo da elite dominante, que se arroga o direito de ser mais importante do que os outros, por ter um cargo, ter mais conhecimento, ou ter mais dinheiro, criando assim as desigualdades na sociedade. E o mais grave é que essa cultura é disseminada em todas as classes sociais.

 

 

 

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