ARROGÂNCIA
Edmílson Martins
Agosto/2020
Lendo o texto de Frei Betto “O tamanho da arrogância”, lembrei-me de
alguns casos de arrogância, curiosos e até hilariantes.
O primeiro caso me foi relatado quando eu ainda era criança, na década
de 1940. Foi na cidade de Milagres, município onde eu nasci, no sertão do
Ceará.
O fato teria ocorrido por volta 1930, quando ainda existia o coronelismo
rural, iniciado na monarquia, após a saída de Dom Pedro I, entrando pela
República Velha, até 1930.
No Brasil rural, fazendeiros adquiriam a patente de coronel, para
exercerem o poder político em sua região. Tudo era resolvido pelo coronel e o
povo votava em quem ele determinava.
Lá no sertão, um acontecimento em torno de um coronel, ficou na memória
do povo, por muitos anos e era contado com muita graça. Um senhor de mais ou
menos 75 anos, conhecido como “Pedro Velhinho", era fazendeiro, mas vivia
como muita simplicidade. Tinha a patente de coronel, mas não a usava para botar
banca, ou exercer influências.
Mas num dia de feira, ele se dirigia à cidade de Milagres, montado num
burro e passou por um lugar onde se vendiam cavalos. Dirigiu-se ao vendedor e
perguntou quanto custava certo cavalo, muito formoso, que muito lhe agradou. O
vendedor, muito arrogante e preconceituoso, olhando-o da cabeça aos pés e vendo-o
com vestes simples, usando chinelos, de chapéu de palha, montado num burro,
assim respondeu:
- Você não tem dinheiro pra comprar esse cavalo, velho.
O homem ficou calado, engoliu a seco a provocação. Foi à casa que tinha
na cidade, vestiu a farda de coronel e voltou à feira, para responder à
provocação do arrogante vendedor de cavalos.
Dirigindo-se ao vendedor,
ostentando sua farda de coronel, perguntou:
- amigo, quanto custa este cavalo. O vendedor, vendo-o com uniforme de
coronel, ficou desconcertado, pedindo desculpas.
- Desculpe, coronel, eu não sabia
quem era o senhor.
Outro caso ocorreu na década de 1960, tempo da repressão da ditadura
militar. Um sargento, cheio de autoritarismo e arrogância, chegou com seus
soldados a um teatro, onde era apresentada a peça Electra, de Eurípedes,
escritor de tragédias da mitologia grega.
- Onde se encontra esse tal de Eurípedes, autor dessa peça subversiva? –
bradou o sargento. E ameaçou prender os atores se eles não dissessem a verdade.
Os atores tentaram, com dificuldade, convencer o homem de que Eurípedes vivera
há cerca de 500 anos antes de Cristo. O sargento ouviu as informações, mas não
acreditou. Ficando em dúvida, saiu do teatro, mantendo a ameaça aos atores.
Outro fato hilariante ocorreu também na época da ditadura. Um coronel do
Exército, à paisana, descontente com o golpe militar, gritava nas ruas: “Essa
revolução é uma merda”. “Essa revolução é uma merda”. Um sargento da Polícia,
ouvindo-o, resolveu dar voz de prisão, sem saber que se tratava de um coronel
do Exército. Levou-o para a cadeia.
Quando oficiais superiores souberam da prisão do coronel, foram
libertá-lo. O coronel, passando em frente à cela onde já estava preso o
sargento, falou com ironia:
-Não te falei, sargento, que
“essa revolução é uma merda”!
São fatos curiosos, hilariantes e grotescos, que mostram como a
arrogância está arraigada na cultura brasileira. E isso acontece desde a época
da colonização.
É a cultura do autoritarismo da elite dominante, que se arroga o direito
de ser mais importante do que os outros, por ter um cargo, ter mais
conhecimento, ou ter mais dinheiro, criando assim as desigualdades na
sociedade. E o mais grave é que essa cultura é disseminada em todas as classes
sociais.