SAINDO DA PRISÃO
Edmílson Martins
02 de junho de 2020
Dois de junho de 1972, 17 horas. O carcereiro chegou à
cela e gritou:
- Edmílson Martins, Roberto Martins e Antônio
Imbiriba, arrumem suas coisas, vocês vão sair. Para esclarecer, Roberto e Imbiriba
já partiram para outra dimensão da vida.
Da cela, que ficava num porão, subimos para um
sobrado, onde ficava a delegacia da Polícia Federal. Lá estava o advogado
doutor Técio Lins e Silva, com um alvará de soltura, emitido pelo juiz auditor
da Segunda Auditoria da Marinha, doutor Paulo Simões Correa.
- Vocês estão livres- disse o doutor Técio. E fez uma recomendação:
- Saiam separados e despistando, porque existem vários
grupos de repressão. Vocês estão sendo
libertados, mas poderão ser presos lá fora por algum desses grupos.
O Brasil vivia a fase mais cruel da ditadura militar,
sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici. Era o momento de prisões,
torturas e desaparecimento de pessoas que discordavam do regime. E havia as
ações oficiais da ditadura e ações de grupos paralelos, que agiam,
independentes do governo.
O Imbiriba foi o primeiro a sair. O Roberto estava com
a esposa, dona Maria Luísa, que, avisada sobre a nossa saída, foi à delegacia.
E propuseram que saíssemos juntos. Assim, estaríamos mais protegidos de algum imprevisto.
Chegava ao fim um isolamento social, uma quarentena de
quarenta e seis dias, imposta pelo terrível vírus chamado ditadura, vírus do
autoritarismo, da intolerância e da ganância. A ditadura, a serviço dos banqueiros e do
mercado, impôs a quarentena porque o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro,
do qual eu era presidente, defendia os direitos fundamentais dos bancários e
demais trabalhadores.
O Roberto e dona Maria Luísa, muito solidários,
decidiram ir comigo, pra me dar cobertura, até o Grajaú, à casa do casal
Vicente e Virgínia, (os dois já no Céu) irmão e cunhada da Maria José. No
trajeto, a impressão de que, depois de 46 dias de isolamento total, tudo
parecia diferente. As pessoas, os carros, os ônibus, as árvores, tudo
transmitia a sensação de um mundo novo.
A Virgínia, avisada pelo advogado, num gesto de
grandeza e solidariedade, fora ao meu encontro na Polícia Federal. Quando lá
chegou, eu já tinha saído e me dirigia à sua casa. Por medida de segurança, não
fui direto para minha residência. Tempos obscuros!
A Virgínia, quando soube da notícia, antes de ir à
Polícia Federal, telefonou para a Maria José, transmitindo a boa nova. E assim
falou:
- Maria José,
convido você, as crianças e o Edmílson para a festa de aniversário da Mônica.
Maria José conta que, surpreendida, ficou emocionada e até perdeu a fala.
Nesse momento, um fato muito impressionou Helena
Werneck, de saudosa memória, uma amiga da Igreja que ajudava Maria José. O
Maurício tinha quatro anos. Quando a Maria José disse que o pai estava voltando
para casa, ele gritou, eufórico, pulando no sofá: “aleluia! Aleluia!” , “o pai
tá chegando!”. Expressava a alegria da criança, privada do convívio do pai por
quarenta e seis dias.
Nestes tempos de pandemias, de isolamento social, com
ameaças de volta ao autoritarismo, é bom refletirmos sobre esses fatos do
passado. Fatos de um tempo em que uma ditadura privava as pessoas das suas
liberdades naturais. É preciso que esses episódios sejam lembrados, para que
esse tempo terrível nunca mais volte. DITADURA NUNCA MAIS.
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