SEMANA SANTA NO
SERTÃO
Edmílson Martins
Abril de 2020
Num esforço de memória, desejo contar como era a
Semana Santa, no meu tempo de infância e adolescência, décadas de 1940/1950, no
Sítio Ipueira, sertão do Ceará, onde nasci e vivi até os quinze anos.
Como lá não havia templos, não havia celebrações da
Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Mas havia no povo um forte
sentimento religioso, de forma que aquela semana era tratada com muito respeito
e devoção.
Embora os conhecimentos dos Evangelhos fossem muito
superficiais, todo mundo sabia, por tradicionais informações, que Jesus Cristo
fora maltratado e morto na Cruz, porque pregara o amor e praticara o bem.
Diferentemente das celebrações nas cidades, onde havia
templos, sacerdotes e estrutura eclesial, no sertão havia outro ritual para se
celebrar a Semana Santa.
As relembranças começavam na quarta-feira, conhecida
por Quarta-feira de Trevas. Ninguém sabia o porquê das trevas, mas se intuía
que nesse dia da semana teria ocorrido com Jesus alguma coisa ruim.
Nesse dia, por respeito ao Nosso Senhor Jesus Cristo,
já começava a abstenção de algumas coisas: os trabalhos deviam ser mais leves,
evitava-se comer carnes e, havia pessoas que, talvez por superstição, não
tomavam banho.
A partir da Quinta-feira Santa, até Domingo de Páscoa,
não se trabalhava. Todo mundo ficava em casa (e não havia COVID 19). Quatro
dias sem ir à roça, um feriadão.
Normalmente, se trabalhava de segunda sábado o dia inteiro, de sol a sol. Trabalho pesado e no sol. Na Semana Santa, Quinta, Sexta e Sábado santos eram dias de descanso, proporcionados pela graça da divindade de Jesus, conforme Mateus 11:28-30:28 Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. 29 Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para a vossa alma. 30 Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve.
Era, na verdade, um reencontro das famílias e amigos.
Um verdadeiro ritual de confraternização, com diálogos e reflexões. Era o único
momento do ano em que toda a família ficava junta durante quatro dias seguidos.
Naqueles dias da Semana Santa, embora se falasse em
jejum, as refeições eram fartas. Quinta e Sexta-feira Santas eram dias de
abstinência. Não se comia carne. Em minha casa, as refeições eram compostas de
arroz com queijo, ou angu com leite, pratos que agradavam a todos. Sábado e
domingo sempre tinha alguma carne. Geralmente, galinha ao molho pardo, com
arroz ou angu e macarrão.
Essa fartura quase não havia durante o ano, somente na
Semana Santa. A gente gostava muito daqueles dias, também por causa dessa
fartura. Naquela Semana concretizava-se a Bem-aventurança dos que têm fome e
sede de justiça.
Na Semana Santa, lá no sertão, não se levava em conta
a paixão e a morte de Jesus, celebrava-se sempre as alegrias da ressureição.
Era uma semana de descanso, de lazeres, de reencontro da família, com muita
alegria.
Naqueles dias, além das atividades em comum, toda a
família se reunia em torno da grande mesa de refeições, como na Última Ceia,
para repartir e comer os alimentos da vida: o arroz com queijo; o angu com
leite e, no sábado e domingo, o frango ao molho pardo, com angu, ou arroz e
macarrão.
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