“MANDA DEUS CHUVA
PRA EU COMER ARROZ”
Edmílson Martins
Outubro de 2019
Corria
a década de 1940. Eu tinha, mais ou menos, oito anos. Longas secas no Nordeste.
Foi naquele momento, 1947, que surgiu o lamento e apelo de Humberto Teixeira e
Luiz Gonzaga, com a música “ASA BRANCA”: “Quando oiei a terra
ardendo/Qual fogueira de São João/Eu perguntei a Deus do céu, ai/Por que
tamanha judiação/Eu perguntei a Deus do céu, ai/Por que tamanha judiação”.
Pois
bem, naquele momento, eu e outras crianças, andando pelas capoeiras, ou a
trabalho, ou caçando passarinhos, diferente do lamento da música e da fuga da
Asa Branca, pedíamos, insistentemente, a Deus que mandasse chuva. Então,
entoávamos, repetidamente, a expressão “manda Deus chuva pra eu comer arroz;
manda Deus chuva pra eu comer arroz”.
Nosso
apelo fazia sentido. É que quase não comíamos arroz. Meu pai plantava milho,
feijão, mandioca, cana de açúcar e arroz. Quando chovia, cultivavam-se milho,
feijão, mandioca e pouco arroz. Porque, para o arroz, havia poucos lugares
apropriados para o plantio. Mesmo assim, como o arroz era mais valorizado, o
pouco que se colhia era vendido para pagar os empréstimos que meu pai adquiria
no Banco do Brasil. O dinheiro era empregado no plantio e o banco não
considerava a falta de chuva. O empréstimo tinha que ser pago no vencimento.
Somente
sobrava para nós feijão, milho e mandioca (transformada em farinha). Mas parte
desses produtos também era vendida, principalmente a melhor parte. Sobrava a
segunda qualidade. “O feijão, chamado feijão de corda” era cozido, mas ficava
duro. Comíamos assim mesmo, com farinha. Como era cozido com muita água,
comíamos muito o caldo com a farinha.
Às
vezes, com muita raridade, comíamos arroz, geralmente na Semana Santa. Arroz
com queijo. Momentos ansiosamente esperados. O mais, era angu com rapadura, ou
com leite, quando tinha. A rapadura era de segunda qualidade; a de primeira era
vendida para pagar ao banco.
Por
tudo isso, saía a criançada, gritando, fazendo apelo a Deus, a nós apresentado
como o Pai misericordioso, que tudo pode. “Manda Deus chuva pra eu comer
arroz”.
E
eu, sendo a criança de mais idade, recomendava: “vamos gritar mais alto, bem
alto, pra Deus nos ouvir”. Deus, pela convicção que tínhamos e pela teimosia da
nossa esperança, certamente nos ouvia e até nos atendia. Mas vinha o banqueiro,
que tinha (e tem) como deus o dinheiro, e levava quase tudo o que nosso Deus
nos dava.
Hoje,
longe daqueles tempos, já adultos, mas ainda vivendo em triste situação social,
sem as condições necessárias para viver em paz, mas combatendo o bom combate e
guardando a fé, repetimos o apelo simbólico daquelas crianças ao Deus da
esperança. “Manda Deus chuva pra eu
comer arroz”.
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