AS CERCAS
Edmílson Martins
Setembro 2019
Quando
vejo as notícias sobre as ocupações na Amazônia, os desmatamentos e expulsões
dos indígenas das suas terras, tudo gerado pelo olho grande, a ganância e
interesses financeiros, lembro-me de fatos ocorridos, quando eu ainda era
criança.
Meu pai e minha mãe nasceram e se criaram
na roça. Ele, Antônio Martins de Oliveira, conhecido como Antônio “Bembém” e
ela, Joana Maria da Conceição, conhecida como dona “Nem”. Cumpriram sua missão
neste planeta. Hoje, estão na Glória do Pai.
Gostavam da vida do campo. Meu pai
valorizava muito o trabalho agrícola. Realizava-se com as plantações. Muitas
vezes, o vi chorando, calado, com lágrimas nos olhos, quando a chuva não vinha
e o milharal secava antes de dá espigas.
Mas era teimoso na esperança. Nunca
desanimava. Sempre dizia: “Deus dá um jeito. Ele vai mandar chuva”. Não
percebia, na sua boa fé, que era vítima de uma estrutura social injusta e
cruel. Recorria a empréstimos no Banco do Brasil e só conseguia migalhas. Não
sabia, embora sentisse, que o Banco estava inserido numa estrutura política e
econômica, preparada para favorecer aos que já tinham muitas posses.
Ele era um homem com profundo
sentimento de justiça. Quando tinha sua dignidade e direitos imediatos
ameaçados, reagia com indignação e coragem, disposto a ir às últimas consequências.
Era muito rigoroso no trabalho, no cumprimento de seus compromissos e no
respeito aos outros. Muito generoso e capaz de sacrifícios para ajudar a quem
tinha necessidades.
Minha mãe muito o ajudava, com sua
paciência e serenidade. Era o equilíbrio. Não era uma “Amélia”, que achava
bonito não ter o que comer, mas nunca a vi reclamar por passar dificuldades.
Era uma mulher forte, decidida, que tinha fé em Deus e na vida. Além de cuidar
dos 17 filhos, ainda encontrava tempo para exercer o ofício de costureira.
Quando meu pai ficava exaltado, lá vinha ela e dizia: “Calma, Home”!
Era profundamente religiosa e o seu
sonho era morar perto de uma igreja, para ir à missa todos os dias. Ia sempre,
em romaria, ao santuário de São Francisco, em Canindé- CE. Todos os dias, após
o jantar, reunia a criançada e ensinava as orações: Pai nosso, Ave - Maria,
Credo, Salve Rainha, etc. E conosco rezava o terço. E também contava estórias.
Era mãe e mestra, como devem ser todas as mães. Ainda me lembro da estória do
“Pássaro Azul”. Era um príncipe que fora transformado em pássaro pela
feiticeira e que se afeiçoara a uma donzela.
Pois bem, meu
pai tinha adquirido uma pequena propriedade, que se situava no meio de um
grande latifúndio. Lá se plantava milho, feijão, arroz, algodão e cana para a
fabricação de rapadura. As dificuldades eram grandes, por causa das secas e
falta de recursos. Mesmo assim, ele acreditava na agricultura e cultivava
aquele sítio com muito carinho e zelo.
O proprietário do grande latifúndio
implicava muito com meu pai, por ele está situado bem no meio de suas terras.
Como fazia com outros pequenos proprietários, tentou tomar posse da nossa
pequena propriedade. Mandou fazer cercas, apossando-se de uma parte. Meu pai
reagiu, reclamou, protestou, mas não conseguiu evitar a posse. Depois, o
latifundiário invadiu novamente e passou mais cercas, tentando tomar outro
pedaço da terra.
Esse atrevimento aprofundou a
indignação do meu pai. E, com o apoio de minha mãe, também indignada,
imediatamente mandou um recado: “Senhor fulano, amanhã, bem cedo, vou derrubar
aquelas cercas e quem tentar impedir vai ser derrubado também”. E no dia
sequinte, foi lá, com meus irmãos mais velhos e alguns amigos, com foices e
machados. Derrubaram as cercas e ninguém apareceu para impedir. E dizia, com
muita decisão: “Ninguém vai me tirar o que consegui com tanto sacrifício e que
pertence aos meus filhos”.
Era assim o meu pai: impetuoso,
corajoso, valente, duro e intransigente na defesa dos seus direitos, da justiça
e da dignidade. Com essa decisão e ação impetuosa e corajosa, o dono do
latifúndio parou de implicar. Quando viu que meu pai não recuaria, não teve
coragem de assumir as consequências.
É assim que deviam se comportar todos os
brasileiros, diante do crescente processo de devastação da Amazônia e de toda a
nação brasileira. A fé, a coragem, a valentia, a defesa da dignidade têm que
ser mais forte do que qualquer poder devastador. Quando Jesus disse : “Vigiai e
orai”, quis dizer: fiquem atentos às devastações e lutem com todas as suas
forças para evitá-las.