CULTIVANDO A DIGNIDADE
Edmílson Martins
Setembro/2019
Década de 1950. Longo
período de seca na Ceará e em todo o nordeste. O povo nordestino,
historicamente, vítima da seca e dos desmandos dos diversos governos, sempre a
serviço do sistema capitalista, enfrentava aquela longa estiagem, com coragem e
dignidade.
Embora aceitasse, por necessidade, a ajuda em forma de
esmola, não se conformava e protestava, como informa a música “Vozes da seca”
de Zé Dantas e Luiz Gonzaga:
“Mas doutô uma esmola/ a um homem qui é são/
Ou lhe mata de
vergonha/ ou vicia o cidadão”. “Dê serviço a nosso povo/Encha os rios de
barrage/Dê cumida a preço bom/Não esqueça a açudage/...
Pois bem, naquela
época, talvez influenciado pela música, cantada por Luiz Gonzaga, com grande
repercussão em todo o país, o governo providenciou a construção de açudes e
barragens, oferecendo milhares de emprego.
E é bom que se diga
que naquele momento, também, a corrupção corria solta, em torno das obras do DNOCS
(Departamento Nacional de Obras contra as secas), com esse nome desde 1945, mas
criado com outro nome em 1919.
Mas um camponês, indo
pela estrada, viu cair uma maleta de um jipe que passava com um engenheiro que
coordenava obras de açudes e barragens. O homem pegou a maleta e abrindo-a viu
que estava cheia de dinheiro. Fechou a maleta e foi andando, andando, durante
umas duas horas, até chegar à construção, onde estava o engenheiro e lhe
devolveu a mala.
O engenheiro
recebeu-a com frieza, como se aquele dinheiro não fosse tão importante. Olhou
para o homem, um trabalhador humilde, tirou uma moeda do bolso e lhe disse:
- tome, meu amigo,
compre uma corda para se enforcar. O senhor com tanto dinheiro na mão e devolve
tudo?
O homem olhou para o
engenheiro, decepcionado e disse:
- Devolvo porque esse
dinheiro não é meu. Deve ser para pagar aos trabalhadores. E, cultivando sua
dignidade, recusou a vil oferta do engenheiro.
Essa historinha é
verdadeira. Aconteceu e era espalhada por toda parte no sertão, como exemplo de
honestidade. E seria bom que essa atitude do camponês, hoje, tão rara, fosse
imitada por todos os brasileiros, que sofrem a tentação do envolvimento no
esquema de corrupção inerente ao sistema político e econômico que nos governa.
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