QUANDO PARTI DO SERTÃO
Edmílson Martins
Setembro 2022
Foi assim: eu tinha 21 anos de idade e estava morando não cidade de Crato-CE, desde os 12 anos de idade. Tinha concluído o curso técnico de contabilidade e trabalhava no Banco de Crédito Comercial.
Como lá eram precárias as condições para melhorar de vida, decidi viajar para o Rio de Janeiro, onde já morava meu irmão Agostinho. Ele e sua esposa Loreto, de saudosa memória, me incentivaram, informando que no Rio as possibilidades de arrumar um bom emprego eram maiores.
Em janeiro de 1960, comecei a me preparar para a viagem. Pedi demissão do banco, juntei algum dinheiro suficiente para a passagem de ônibus e comecei a despedida dos amigos e parentes.
Como viajaria em março, fui passar uns dias no sítio Ipueira, no grande sertão, onde moravam meus pais, alguns irmãos, tios, primos e amigos de infância. Nasci naquele sítio e lá fiquei até os 12 anos, quando fui estudar em Crato. Mas até os 16 anos, nas férias do meio e do fim do ano, eu ia pra lá, trabalhar na roça.
Naquele tempo eram ainda escassos os meios de comunicação e de transporte, por isso, o Rio de Janeiro, para os sertanejos, era uma terra longínqua. As expressões eram: “você vai pra tão longe, nunca mais vou te vê”. Em cada despedida, uma lágrima nos olhos de quem ficava e de quem partia.
Os dias em que fiquei no sítio foram de emoções. Os anos que lá vivi tinham criado raízes. As roças, os animais, os açudes, as árvores, a Casa de Farinha, o Engenho de produção de rapadura, o canavial, os amigos de infância, o povo do lugar, tudo estava ligado à minha vida.
Quando me despedi dos meus pais e dos meus irmãos, o momento foi de alegria e tristeza. Alegria porque sabiam que eu encontraria uma vida melhor e tristeza por causa da minha partida para terras tão distantes. Meu pai, que sempre fora durão, na despedida, ficou com lágrimas nos olhos.
Com o coração apertado e vontade de chorar, montei no cavalo e parti. E, pelas estradas, fui me despedindo de quem encontrava, ouvindo o cantar triste dos passarinhos: dos Bem-te-vis, das rolinhas Fogo Apagou, dos sabiás, que mesmo sofrendo a falta d’água e dos verdes das matas, de lá, talvez por impossibilidade, não saíam. Era um tempo de seca. Eu só não via a Asa Branca, porque já tinha batido asas do sertão.
Naquele momento, tomado pela emoção, cavalgando pelas estradas, por onde outrora passara Lampião e seu bando, sedentos de justiça, conforme alguns historiadores, fui observando as paisagens, ainda com pouca noção das questões sociais, e me perguntava:
“Por que tenho que me retirar da minha terra, para lugares tão distantes e desconhecidos”? Vários de meus irmãos também já se tinham tornado retirantes.
Eu percebia que, apesar das secas, havia riquezas no sertão. Com o tempo, fui compreendendo que o problema são as injustiças sociais, a concentração das riquezas nas mãos de poucos. O pequeno sítio onde eu nasci estava no meio de um grande latifúndio, com muitas plantações e muita criação de gado. Havia outros latifúndios, cujos donos e filhos nunca emigravam.
Na caminhada, parei no sítio Mandacaru, onde morava Elias, meu irmão, com sua esposa Mundinha. Após um café com leite e bolo de milho, dirigi-me ao lugar chamado Tanques, ou Pé de Serra, para me despedir de Maria, minha irmã e de Pedro, meu cunhado. Após um banho num pequeno riacho que vinha da serra e um aperitivo de cachaça da terra, um saboroso almoço feito por minha irmã.
Após o almoço, despedidas e emoções, fui para a cidade de Missão Velha, onde
residiam meu irmão José, com Doca, sua esposa e filhos, minhas tias e minha avó Rosinha. Foi um dia de muitas explicações sobre a minha mudança para o Rio de Janeiro. Depois de muitas conversas, a despedida de cada um. Mais emoções. Peguei o trem e rumei para o Crato, de onde partiria para o Rio.
Na cidade de Crato, onde também já tinha criado raízes, as despedidas também foram dolorosas. Cada despedida, uma lágrima nos olhos. Eu me lembrava sempre de uma estrofe da canção “Adeus, cinco letras que choram”, de Francisco Alves, muito presente na segunda metade da década de 1950:
“Quem parte tem os olhos rasos d'água/Ao sentir a grande mágoa/Por se despedir de alguém/Quem fica, também fica chorando/Com o coração penando/Querendo partir também”.
Mesmo com os olhos rasos d’água, eu tinha que partir. Como a Asa Branca, tinha que buscar melhores condições de vida. E isso foi muito bom. No Rio de Janeiro, centro de efervescência política e social, aprendi muito. Nos Movimentos da Igreja e no Movimento Sindical, compreendi, na reflexão e na luta, que o drama dos retirantes estava nas injustiças sociais, não nas secas.
E eu, que queria ganhar a vida, logo adquiri nova visão de mundo e de existência. Passei a compreender que ganhar a vida seria lutar por uma sociedade justa e fraterna e não somente arrumar um bom emprego. Compreendi também que olhar o passado com carinho é importante, para valorizar o presente e ter uma perspectiva segura do futuro.
Nossas raízes estão no passado. Daí o significado da História e a importância do legado dos nossos antecessores. A lembrança do passado não é apenas saudade, ou saudosismo, mas, sobretudo, “um sacramento da solidariedade”, como já disse o pensador Rubem Alves.