JUVENTUDE E PARTICIPAÇÃO
Edmílson Martins
Janeiro de 2021
Em 1951, eu estava no Segundo Ano Primário do Grupo Escolar municipal, na cidade de Crato, Ceará. No ano anterior, eu saíra do Sítio Ipueira, município de Barro, bem no sertão, onde nasci e vivi minha infância. Levado pelo meu irmão Agostinho, Começaria a estudar em Crato, com onze anos e meio.
No Grupo Escolar, entre doze e treze anos, tive a minha primeira experiência social/política, quando dona Sila, minha segunda professora, reuniu a turma, de cerca de 40 alunos, para formar um grêmio estudantil.
Como eu tinha entre doze e treze anos e tinha as melhores notas e o restante da turma tinha entre nove e dez anos de idade, por sugestão da dona Sila, fui escolhido presidente do Grêmio, com rito eleitoral, posse e tudo mais.
Foi naquele momento que comecei a perceber a existência de atividades sociais e políticas. Fui crescendo e descobrindo que havia um Movimento Estudantil. Lá se chamava “União dos Estudantes de Crato (UEC). Passei a conhecer outros movimentos de jovens na Igreja Católica e grêmios literários/recreativos, formados por jovens da sociedade cratense.
Em 1958, tornando-me bancário, com outros colegas jovens e pessoas mais adultas, iniciei a participação no Movimento Sindical Bancário. Participação ainda branda, mas consciente da existência do movimento dos trabalhadores.
Tive ciência, também, dos Círculos Operários, associações civis de trabalhadores, de inspiração católica, surgidas no Brasil na década de 1930. Alguns familiares mais velhos e amigos deles participavam dessas associações. Via-os reunidos, discutindo problemas dos trabalhadores. Prestava atenção e me interessava pelo assunto.
Com esses conhecimentos e experiências adquiridos na infância e na juventude, em Crato, as visões foram se clareando e assim, já morando no Rio de Janeiro, em 1960, bem no auge da efervescência política, iniciei, com maior engajamento, com outros jovens, a minha participação social e política.
Eu olhava o mundo e via jovens, em Cuba, defendendo o seu país, lutando bravamente por uma sociedade justa; via , no Vietnam, jovens Viet congs lutando pela libertação do seu país, contra o imperialismo americano; via jovens americanos recusando-se a ir para o Vietnam, em protesto contra a guerra; via jovens, via jovens engajados no Movimento Estudantil, nos movimentos dos trabalhadores e outros movimentos, lutando por uma sociedade mais justa e democrática. Tudo isso me animava a participar dessa luta pela justiça.
Eram vários os grupos em que os jovens participavam. A UNE (União Nacional dos Estudantes), congregando jovens estudantes de todo o Brasil, tinha uma forte atuação política. Funcionando junto à UNE, os centros acadêmicos e os grêmios escolares.
E havia uma grande participação de jovens na JEC (Juventude Estudantil Católica), JUC (Juventude Universitária Católica), JOC (Juventude Operária Católica), além de outros movimentos da Igreja Católica.
Com a Ditadura, iniciada com o golpe civil/militar de 1964, toda essa participação da juventude ficou prejudicada. Os jovens, que são o vigor de uma nação, ficaram com seu dinamismo sufocado. Perseguidos e ameaçados, foram proibidos de manifestar suas opiniões e suas energias naturais.
Apesar da violenta repressão aos Movimentos organizados, os jovens tentaram o revigoramento de suas atividades, até 1968, quando a ditadura decidiu bater com mais força no Movimento Estudantil e em outros Movimentos de jovens.
O regime ditatorial, a serviço do grande capital nacional e internacional, sedento de lucro, não permitia nenhuma oposição aos seus objetivos, como bem denunciou Chico Buarque de Holanda: “Falou tá falado, não tem discussão” (Apesar e Você).
Com a repressão, a ditadura empurrou a juventude idealista, que lutava pelo direito de participar, para a clandestinidade e para a luta armada. Foi um desastre. A ditadura, fortemente armada, aproveitando-se covardemente dessa clandestinidade, perseguiu, prendeu, torturou e matou, destruindo os ideais de toda uma geração, que só queria contribuir para um mundo melhor. E o pior é que essa destruição atingiu as gerações seguintes.
Entre 1969 e 1975, nos chamados “anos de chumbo”, a ditadura reprimiu com crueldade, proibindo qualquer participação em movimentos organizados, que contrariasse os objetivos do regime. Essa situação foi bem retratada na composição de Chico Buarque de Holanda “Roda Viva”:
“A gente quer ter voz ativa/No nosso destino mandar/Mas eis que chega a roda-viva/E carrega o destino pra lá”.
Na verdade, a ditadura estava a serviço do mercado de capital, do sistema neoliberal que estava sendo implantado pelo capitalismo internacional, cujos objetivos são o lucro, o consumo e a concentração de riquezas. Para isso era preciso implantar um sistema de alienação, de consumismo e exclusão. E essa exclusão significava não permitir a participação do povo em movimentos organizados.
Depois dos “anos de chumbo”, a repressão violenta continuou. Não mais a repressão armada, mas continuou truculenta. O capitalismo mudou os seus métodos de controle, implantando a economia de mercado. O mercado passou a ser a arma poderosa para o controle de corações e mentes, com a sociedade sendo instrumento de consumo e produção de lucro. Esse esquema tenebroso significa o controle da economia, cultura, educação, religiões, partidos políticos e das diversas instituições da sociedade. Tudo isso feito de forma subliminar e abjeta.
Para o controle da sociedade, dos corações e mentes, o neoliberalismo tem como primeira iniciativa a destruição da educação e da cultura. Foi o que fez. Reprimiu a ferro e fogo a cultura, implantando um sistema educacional ridículo.
Em 1966, o educador Lauro de Oliveira Lima já dizia que “dentro de cinquenta anos, com o sistema educacional que a ditadura implantava, veríamos as consequências desastrosas, com dirigentes do país, incompetentes e medíocres”. É o que temos visto nesses últimos anos.
É o que estamos vendo hoje: presidente despreparado, governadores despreparados, parlamentares despreparados e o país como um barco à deriva, andando ao sabor dos ventos. E o povo, tonto, sem saber o que fazer, sofrendo as consequências. “Um fraco rei faz fraca a forte gente”, já disse Camões em "Os Lusíadas”.
Isso é neoliberalismo, que prega o individualismo, sabendo seus criadores que coletivamente o povo tem condições de conquistar a liberdade. Individualmente ninguém se salva. É por isso que os dominadores criam barreiras para que o povo não se organize. Assim fica mais fácil dominar.
Só há crescimento quando há liberdade. E só é possível conquistar a liberdade com ações comunitárias, com unidade, com reflexão em comum. Por isso é necessária a participação coletiva da sociedade, em busca da condução do seu destino. E a juventude, com toda a sua energia, precisa conquistar seus espaços de reflexão em grupo, para contribuir, com sua criatividade e dinamismo, para a construção de uma sociedade justa, fraterna e solidária.
Então, é hora de despertar, de olhar para as referências históricas, de ver as ações da juventude das décadas de 1950 e 1960, que se rebelaram contra o estado de coisas reinante. Esbravejaram, espernearam, gritaram: “Isso não está certo, queremos mudanças, queremos um mundo mais humano e justo”. A juventude é a esperança de um mundo melhor.
Hoje, a juventude precisa atentar para a rebeldia proclamada por Caetano Veloso, na música “Alegria, alegria”, de 1967:
“Sem lenço, sem documento/Nada no bolso ou nas mãos/Eu quero seguir vivendo, amor/Eu vou/Por que não, por que não?/Por que não, por que não?/Por que não, por que não?”