terça-feira, 21 de setembro de 2010

MENINOS, EU VI

Edmílson Martins de Oliveira
O título deste texto lembra o velho timbira do poema "I- Juca-Pirama", de Gonçalves Dias, em que o velho timbira , às noites nas tabas, reúne os jovens da tribo para contar as histórias dos seus antepassados, lembrando a bravura e a dignidade de guerreiros da tribo Tupy. "Se alguém duvidava do que ele contava, dizia prudente: - “meninos, eu vi".
Pois bern, lembrando o velho timbira, meninos, eu vi urn programa fantástico, que nestes tempos de mediocridades e desrespeito às pessoas humanas, valoriza o povo e a cultura popular. Tern o título de "Politica com Arte" e é apresentado todos os domingos, de 11 às 13 horas, pelo competente ator, comunicador e vereador Stepan Nercessian, na Rádio Carioca AM 710.
Justificando o título do programa, ele leva, todos os domingos, políticos
comprometidos com o povo e artistas da música popular brasileira, tentando valorizar a nossa cultura , tão desprezada pelas autoridades govemamentais.
No dia 8 de janeiro deste ano, meninos, eu vi e ouvi ao vivo esse programa. Eu estava lá, acompanhado da Maria José, convidado pelo meu amigo, jomalista e escritor, Ivan Alves Filho, urn dos organizadores do programa, para falar do livro que escrevi, intitulado "BANCÁRI0S - ANOS DE RESISTÊNCIA (1964-1979), que trata da resistência à ditadura militar.
Eu estava lá para dizer que vi, nos primeiros anos da década de 1960, o povo se organizando e avançando na luta pela conquista da sociedade democrática; que vi o golpe militar de 1964, contra o povo brasileiro, sufocando os anseios de liberdade e de justiça; que vi serem sufocadas as liberdades democráticas, a cultura e quase tudo o que o povo precisa para a sua felicidade. Mas vi, também, os trabalhadores nas ruas, tentando reagir contra o golpe. Vi os tanques apontarem os canhões contra o povo, para liquidar qualquer tentativa de reação. Vi jovens, dedicados à luta pela democracia, desesperados, optando pela luta armada, sem perceberem que estavam optando pelo suicídio e fortalecendo a ditadura. Vi pessoas de born senso, pensando e optando pela resistência pacífica, inteligente e duradoura, mesmo enfrentando incompreensões, perseguições, prisões e torturas. Vi o povo resistindo, com indignação e sabedoria. Vi mulheres participando da resistência à ditadura, com muita dignidade e bravura. Vi, naquele momento, em que "minha gente andava falando de lado e olhando pro chão", como disse Chico Buarque, movimentos de solidariedade aos que eram presos por lutarem contra a opressão.
Voltando ao Programa do Stepan, quero dizer que vi uma coisa fantáistica. Meninos, aquilo valeu ir ao Centro da cidade, num domingo de sol, às 11 horas da manhã. Depois da minha entrevista e da brilhante entrevista do dep. estadual Paulo Pinheiro, Meninos, eu vi MILTINHO (Milton Santos de Almeida), urn fenômeno da Música Popular Brasileira dos anos 1960. Estava ele lá, bem conservado, bigodinho aparado, agora bem branquinho. Apesar dos 78 anos de idade, com muito vigor e bem-humorado, de bem com a vida. A voz
anasalada, o ritmo contagiante, a música de boa qualidade lembraram os anos de chumbo da ditadura, quando sua voz e seus sucessos amenizavam urn pouco as tristezas por causa da opressão política. Vi o Miltinho falando dos seus grandes sucessos e grandes parceiros como, Luiz Antônio, Ataulfo Alves, Ary Barroso, Jair Amorim, etc. Vi o Miltinho cantando "Eu e o Rio (de Luiz Antonio):" Rio, caminho que anda/ e vai resmungando talvez uma dor/ ah!
quanta pedra levaste / outra pedra deixaste/ sem vida e amor /Vens lá do alto da serra/o ventre da terra rasgando sem dó/ Eu também venho do amor / com o peito rasgado de dor e tão só...". A emoção tomou conta do Studio da Radio Carioca. Todos pararam para escutar Miltinho.
Finalmente, vi o Miltinho, cheio de vontade de cantar, trabalhar, expressar a cultura do povo, amargurado por não ter mais espaço na mídia, hoje dominada pela mediocridade e pelos "jabás". A ditadura sufocou a cultura popular e os govemos que vieram depois tratam-na com desprezo, desrespeitando a dignidade do povo brasileiro. Urn povo perde a liberdade, quando perde a sua cultura. 0 Império Romano dominou a Grécia pelas armas, mas foi dominado pela cultura dos gregos. Como disse Jesus, quando tentado no deserto,"Nem só de pão vive o homem".
Enfim, parafraseando o velho Timbira do poema, se alguém duvidar do que estou contando, eu torno prudente: meninos, eu vi.

Edmílson Martins de Oliveira
Janeiro de 2006